quarta-feira, 6 de maio de 2015

100 chaves da porta do teu armário




abri a porta da tua parte
e a chuva lanceou água em mim.
tua coleção de Saramago ainda tava lá,
sem vírgulas.

e de cabide em cabimento
eu fui livrando
livro por página,
me livrando de tudo quase.

Sara,
abri a tua parte que era em mim
e Pachelbel tocou em ré...
doce e calmo;
e Saramago.

e dia à calendário,
abri as frestas para a claridade
e de tom em faixa
eu me molhei
e joguei o molho fora.

Camila Barros


a semana começou
mas eu nem acordei ainda.
o dia me bronzeou
e levou toda calmaria da minha pele...
levou toda agonia junto
mas me deixou com outra dor
que há de doer.

a semana já começou,
as pessoas me deram abraços
mas eu não abracei ainda.
a tarde já é segunda-feira,
a feira já acabou
a semana começou de novo
e eu ainda sou o mesmo.
e essa dor ainda há de doer!

a dor de não existir
sabendo que deve existir
e de sonhar
sabendo que tem que acordar
a dor de me antecipar,
de beber o que não posso beber
e morrer envenenado todos os dias.

a semana começa todo tempo
eu preciso começar o tempo todo
os remédios, joguei fora
os cobertores também
resta só os meses passados
e as semanas que me consumiram sem eu mesmo entender.

e a dor, talvez, irá doer.


Camila Barros


segunda-feira, 4 de maio de 2015


é difícil perder algumas coisas..
a página do livro,
moedas de um real,
o que não é mais seu,
e o que nunca foi..

é difícil perder até as frases eufêmicas que eu usei
para me aliviar que você foi embora.

perder é difícil
é um edifício com janelas iguais,
escadas iguais
tudo, milimetricamente igual,
quando você só precisa da porta verde para sair.

é difícil perder algumas coisas..
a possibilidade de,
o caminho do teu quarto,
as tuas roupas que davam em mim..
é difícil...

perder-se a pose
perder-se a posição
não se sabe se é tampa ou panela,
mas pouco importa
o mais difícil foi perder o papelão que eu usava pra acender ou ascender aquele fogo todo.

Camila Barros