sábado, 22 de setembro de 2018

Carta 4 - Gaveta de sal

Parece que é tempo
De trancar gavetas
Com tudo teu dentro.
Os sorrisos, os abraços,
As fotos, os bilhetes
E mesmo que​ talvez
eu não aceite
Tá na hora de misturar
O que fomos
Na água do mar.
Eterno será nos braços dele!
É tempo de deixar
A onda vir e levar
É tempo de deixar o sol
Deitar todo dia na água,
Brilhar o que aconteceu
E fazer sempre mais peixes
Com tanto amor que nós fomos.

Camila Barros

Carta 3 - Injustiça de quem?

(Leia ouvindo: oceans - seafret)

Sei que talvez não possamos
Ficar junto como antes
Mudamos muito
Ficamos distantes...
Mas sempre terei
Em minhas palavras
Desculpas pra te pedir.
Sempre terei em meu coração
A dor que um dia foi sua
(Mesmo não sendo tão igual assim)

Sei que compramos
Passagens erradas
Para lugares errados
Sem querer;
E me dói muito saber
Que pessoas que se amam
Não possam talvez
Ficar juntas
Para chegar ao mesmo mar.

Camila Barros

Carta 2 - Considerações

Talvez você seja a pessoa
Que ainda me conhece...
Sei que sua voz tá diferente
Tá mais distante e
Não canta mais as músicas
Que embalavam meu sono.
Mas você me conhece
Você sabe das roupas mais íntimas
Umas que eu uso mais dentro ainda
Que a minha própria pele.
Se eu fosse uma moeda, você saberia
O que tem entre a coroa
E entre todas as caras que eu faço.
Se eu tivesse um manual
Você faria as notas de rodapé
Explicando as coisas
Mais sem pé nem cabeça
Que eu consigo ser.
Se eu fosse água
Você se transformaria em óleo
Só pra vigiar meu banho
Pois sabe que eu canto e demoro...
Talvez você seja a pessoa
Que ainda me conhece
Mesmo se me encontrar
A cada primavera!
E se você fosse um jardim
Você seria a prima mais linda
Pois saberia que eu olharia pra você
Porque você me conhece

Camila Barros

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Carta 1 - A Tristeza

essa tristeza é descabida
no meio dos cabides que guardavam
as tuas roupas favoritas.
é, eu não vejo mais teu guarda-roupas de madeira
e também não me espalho na tua cama
e nossa fama de casal favorito
afogou-se nesse mesmo ano.

essa tristeza é inviável!
é como regar a calçada feita de cimento
que tem na frente da tua casa.
pois é, eu sei que a natureza nasce nos locais
mais improváveis possíveis
assim como nasceu um choro incontido
e cheio de duvidas e desculpas
e mais um monte de coisas
que me afogam também
nesse mesmo ano.

essa tristeza parece que vai habitar
uma estação inteira!
um verão desorganizado
num coração que mal sabe
de todas essas coisas difíceis da vida.

um coração que nem sabe
o motivo de tanta água
e por qual motivo também
um dia teve coragem
de deixar na bancada do teu quarto
mágoas embaladas para presente.

Camila Barros

domingo, 2 de setembro de 2018

Qualquer coisa que tenha cheiro

(leia ouvindo Cheiro de Mato - Fátima Guedes)

tua música tem o cheiro
do mato de onde eu morei
de onde eu tenho saudade
de onde eu deixei
uns tucanos comendo jambo
lá mesmo, no quintal de casa

tua música tem a sensação de
desequilíbrio, de asa
de casas que só passo em frente
mas não sei como é por dentro

será que todo mundo já deixou
algum dia na vida
algum passarinho
e foi embora?

um quero-quero
do sul do teu corpo
que também tem o cheiro
daquele mato novo
daquela estrada nova
que eu conheci de bicicleta!
um querer-café
da cor da tua pele
do cheiro da tua ladainha
das histórias que me contava
de quando era menina
eu sinto saudade.

será que todo mundo já deixou
algum dia na vida
alguma alma-metade
e foi embora?

bem,
aqui as plantas dormideiras!
eu durmo e acordo
recordo e escrevo
escutando Cheiro de Mato
me transportando para lugares
de onde eu nunca devia ter saído.
assisto no cinema dos meus olhos
as árvores que faziam sombra,
que faziam paz.

Camila Barros