segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Destino

você é a orelha de van gogh que me falta.
as páginas arrancadas
na sociedade dos poetas mortos.
a fotografia que amélie não bateu,
mas que você vai conseguir
quando enxergar um pequeno sentimento
numa mesa de café.

camila barros

Vigilância 24 horas

você está sempre à frente
assim como tua arte
e teu dente do lado direito.

você está bem na frente
indagando tudo que vê e
ensinando tudo que sabe.

bem, mas bem na frente
correndo flores e ventania
vivendo as noites e também o dia.

você está sempre à frente
cantando músicas bonitas
e admirando céu de novembro.

e eu como um galho desse céu
faço meu vôo lento e calmo;
passarinho manso e casto
vigiando teu primeiro lugar.

camila barros

Quatro e pouco

faz-se a tarde
um menino que brinca de bola,
que faz pipa com sacola,
e que corre atrás da bolha de sabão.
faz-se a tarde linda
num encontro de mãos
que não pode acontecer.

faz-se mar e maresia
e tudo que havia
e que há de ficar
como a memória da criança.

somos os pés que não há
de emperrar no caminho.
que correrá solto e em agonia
como um pássaro voando pro céu.

faz-se a tarde
numa esperança morena
onde tudo ficará bem
e que você também
haverá de ser minha história.

camila barros

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Entre menteculosamente e demasiados

palavras marginais são ditas
na insônia que há entre as intersecções.

mesmo cortando-se
há algo interlocutando
alguns momentos desse dia útil;
talvez um poeminha besta
que eu faço e que esconde as suas linhas
mesmo quando falo
da qualquer sinestesia espelho-toque.

e falando em linhas escondidas
p a r a t o d o s os
atos falhos estralados,
eu garanto que tenho
o meu melhor desenho
escondido à base de fosfeno.
ah! são desenhos e músicas
escritas à noite e com letras tontas.
falando de nada mais, nada menos que
meu mundo; mundivagante e emergente
gritando um amarelo desbotado,
alarmando um afronto,
gritando um microconto apressado,
e rodando todas as minhas ruas
em apenas 15 minutos.

então nessas entrelinhas
continuo aqui, insone
olhando para o nada.
sem fosfeno, nem camada.
apenas minhas pupilas pretas,
armando maravilhas pela calçada
lendo, por uma questão de segurança,
o passo a passo sobreviver.

camila barros



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Rua quinze

pé descalço,
água de pote.
e se eu tiver sorte
tem tu também.
casa comigo, maria!
meu quintal tem acerola
tem um avião e tem cajá.
tem um banco na varanda
pra gente conversar.

eu tenho uma viola
e tenho uma canção
eu juro que canto,
te ensino o refrão.

dorme comigo, maria.
me mata de sede
e endereça tuas cartas
pra dentro da minha rede.


camila barros

Manchete

roubaram-me a flor
roubaram a moeda
a tragédia de não dar certo
e as incertezas.
o sorvete, o capacete.
roubaram-me os ingressos
e meu ingresso
no ônibus só de ida.
levaram meu pratinho de comida,
meus chocolates quentes
e minhas batatinhas.
roubaram-me da história
e eu não sou mais
o outro lado da moeda.
roubaram as ideias,
as jóias e as latinhas de biju.
roubaram minha lista de música
roubaram os índices,
prefácio,
e o beijaço no meio da rua.
levaram a tv
os programas,
os dvd's e quase levaram
a minha cama.
roubaram-me os livros
as canetas e os pincéis.
sem pena e sem dó.
rasgaram as partituras
bem na minha frente.
me deram um murro,
levaram os dentes.
a asa de um passarinho,
a casa, o ninho.
e então eu continuo
no meio da catástrofe,
levaram o refrão
e eu aqui, estrofe
sem um pedaço,
eunuco.

camila barros

Próxima desce

e pulsa
o passo
a caça
a calça
a praça
quem tá na praça
quem acha
quem espera
quem procura
e pulsa
com a jugular
na janela
do seu lar
que pulsa
em público
abrindo a porta
a janela
à espera
de quem tá
na praça
pulsando e
passando.

camila barros

Correspondência

uma placa de stop
arrancada do poste.
um corte de cabelo mal feito e
uma comida mal preparada.

deixaram uma carta aqui
demasiadamente febril.

um ventilador sem hélice
uma bicicleta sem roda
e um balde sem água.

um cd arranhado
que não sai da faixa dois.

deixaram uma carta
com um ar de depois.

enquanto isso
mudarei de casa.
levarei as tranqueiras,
deixarei tudo fechado e
um paninho pra cobrir
o final da porta.

sem cartas,
sem obturações.
sem cinzas e sem
corações.

camila barros




quinta-feira, 10 de novembro de 2016

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Rumo ao mundo

pau de arara, pau de arara,
me leve embora desse lugar
tô levando minhas roupas
e tudo que deu pra guardar
a saudade da menina
também teve seu lugar.
o retrato da varanda
e da casa mal reformada
vai ficando na parede
da cabeça atarantada.
a nossa senhora vai
pra me proteger no camin
pois eu mesmo sozin
não sei se vou segurar
a dor de não mais ver
o sol nascer da minha rede
e de beber aquela água
que matava minha sede.
lá no poço tem moeda
que eu joguei desde menino
pra que esse dia chegasse
e eu seguisse o meu caminho.
pau de arara, pau de arara
vai ficando o meu corcel
minha cela e minhas botas,
vai ficando aquele céu.
mas me leve, pau de arara
e antes passe na igreja
preciso pedir a bença
mesmo que minha não seja.
bó simbora, pau de arara
que o mundo me espera
só não vai nessa bagagem
o amor por essa terra.

camila barros

Gota

vamos dançar
enquanto tudo se destrói
e curtir o corpo
enquanto juntos em um só.

eu quero ver o teu suor
quero sentir o teu afago.
tua roupa fora do lugar
eu quero ver todo o estrago.
vamos dançar em lá menor
na tua pista escura e finda
que sempre acaba na menina
que eu convidei para dançar.
vamos dançar enquanto é tempo,
vamos dançar pra esquecer
se deu suor, lá vem o vento
pra me levar e te aquecer
lá vem mais luz
enquanto é tarde
ligue pra lua e chame ela,
quando chegar o amanhã
me espere, chuva, na janela.

camila barros



Bailando minha vida

ela dança no telhado
da minha tarde, minhas horas.
ela causa estranha luz
que não se pinta, nem decora.
ela é fome da aurora
que ninguém vê amanhecer.
ela é arranha-céu
sem janela e sem cortina.
ela é o corcel que me leva
e a chuva que dói e que lava.
ela é toda a dor que eu sinto
e tudo que eu já chorei,
ela é o final da história
e tudo que eu já comecei.
ela é a triste fé
das pisadas no telhado,
que de muito dançarina
tanto deixou quebrado.

camila barros




terça-feira, 8 de novembro de 2016

Prefácio

tanto tenho para escrever.
dar significado para coisas tais
que somente eu lerei como caos.
escrevo eu, coisa triste
e tantos acham arrebatador,
pois não sabem da dor
que foi escrever cada palavra.
escrevo tantas coisas
que temos para escrever,
por hora nem mesmo saber
por onde começar aqui.

camila barros

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Uns precisam morrer para nascer de novo

o sol há de cegar até as labaredas de cima do muro.
pois ninguém precisa saber
que minha casa pega fogo.
eles, cegos, não saberão que não pedi ajuda!
bebi a única água que havia.
deixei tudo se deformar,
ficar preto e virar pó.

o sofá. no sofá me abanquei
enquanto lá fora ainda fazia
um sol arrebatador.
queimava aqui, a minha casa eu.

mas deixemos o muro pegar fogo,
pois não há circo - detesto circo.

e então o sol há de cegar os vivos e os mortos
que não verão a ressurreição da carne, nem a vida eterna;
amém.

camila barros

Um assassinato clássico

queria te matar
mas não posso.
queria Pessoa,
mas ele morreu.
daqui a pouco
eu morro também.

ouço a serenata de schubert,
mas o mundo seria melhor
se ele fosse todas as músicas que eu mais gosto.
Beethoven seria a ásia,
canon in d, de Pachelbel, seria meu coração,
e o concerto de oboé seria umas ruas.

estava pensando aqui e
eu queria mesmo
era te sufocar;
mas eu, incompleto,
não posso.
Pessoa arrumaria
alguém pra te matar
enquanto eu escutaria
as quatro estações.

mas ele morreu
e daqui a pouco
eu morro também.

camila barros

31 salve à mim

por vezes quero
e tanto não quero
que você me encontre
enquanto me escondo.
por vezes quero
e muito desejo
que você me esconda
e que possa me encontrar.
é que tanto me escondo
e por vezes não quero,
mas se puder venha cedo
que por vezes eu quero
que você possa me achar.

camila barros

terça-feira, 1 de novembro de 2016

De certo ser algo que não se sabe ao certo

meu corpo está desconjuntado.
o cigarro está a par da boca
fazendo um par escandaloso
com o cinzeiro do vizinho.

talvez eu tenha sido roubada.

meu corpo está fora do conjunto.
o óculos está em qualquer lugar da casa,
sem pernas. e é como eu realmente me
sinto nesse exato momento.
desconjuntadamente ansiosa.

meu corpo eu nem sei
as vezes sois como uma aurora
escorregadia e mole
que, aparado pela peneira mais barata,
não custa e não brilha,
assim como não amanhece.

então é assim que esse amanhã se assemelha comigo.
e talvez eu tenha sido roubada.

roubaram meu cordão umbilical,
minha lancheira angelical,
e minha infância açúcar e sal.

é por isso que hoje eu sinto como se
meu corpo fosse algo desligado do passado.
sinto meu corpo desconjuntado!
venho me lavando em banho maria
esquentando o que talvez seja comida em mim...

sinto-me roubada e mergulhada
enquanto levaram tudo de novo.

meus sapatos já não tem solado.
eles são a caminhada que eu fiz daqui pra lá
e de lá pra nem sei onde.
meu mapa tá completamente furado.
meu corpo está desconjuntado,
falta-me o pedaço e a hora.
falta-me a glória de completar o segundo grau.

meu corpo está desconjuntado.
minhas luvas substituem as mãos
que queriam pegar nas tuas mãos.
vazios, frios e escuros são
os dedos que me deixaram
para não permitir qual direção apontar.
nem para discar teu telefone e
nem pra escrever como me sinto

então pedi pro meu vizinho escrever
tudo que me foi perdido,
até a não memória de ter lhe dado
cigarros e fósforos
para conseguir me ver melhor
atrás de tanta fumaça;
e assim, sumida.

camila barros

Parte tua


o erro.
sua pele é a lacuna que arde.
é o espaço que há entre
os olhos que tanto gosto
e que tanto não quero ver.

a causa.
e seu colar é
todos os beijos antigos
guardados e meninos
que eu quisera te dar.

morena indisbotável;
indubitável.

e tua foto
é a incompletude de tudo que é.

camila barros